Depois de virar a cabeça das mulheres no Brasil, o alisamento com formol cruza fronteiras e cabeleireiros da casa fazem a festa.
Diz a politicamente incorreta sabedoria popular, tal como manifestada em para-choques de caminhão, que cabelo ruim é igual a bandido: ou está armado ou está preso. Cabelo bom, conforme o modelo universalmente cultuado, é liso, brilhante, esvoaçante, sem excesso de volume. Exatamente o efeito da escova progressiva, a técnica milagrosa, embora quimicamente complicada, inventada por cabeleireiros do subúrbio do Rio de Janeiro em cujo altar mulheres de cabelão bandido se postam a cada quatro meses, mais ou menos. Consagrado em nível nacional, o alisamento feito com formol, uma solução química de odor estonteante, e queratina, tipo de proteína existente em cabelos, pele e unhas, ultrapassou fronteiras. Chamada de Brazilian Hair Straightening, Brazilian Blowout, Keratin Treatment e outras denominações, a escova progressiva, que aqui também tem nomes variados (marroquina, de chocolate), é hoje oferecida em salões dos Estados Unidos, da Europa e do Oriente Médio, todos lugares capilarmente atrasados que se renderam ao feitiço brasileiro. E aos feiticeiros, quer dizer, cabeleireiros, promovidos a bem-sucedidos exportadores da tecnologia nativa. "As egípcias são viciadas em progressiva", diz Márcio Soares, 28 anos, paulista de Santo André radicado em Londres, que viaja todo mês ao Cairo para atender uma já escravizada clientela. "Elas pagam viagem, estada, o tratamento e ainda dão uma boa gorjeta."
Um dos pioneiros a levar a técnica aos Estados Unidos, o casal Marcelo e Márcia Teixeira, que mora há 21 anos em Orlando, na Flórida, hoje vive da escova progressiva – não de fazer, mas de vender a fórmula, a Márcia Teixeira Keratin Treatment, e produtos afins, além de treinar cabeleireiros interessados. Marcelo era gerente de um restaurante e Márcia trabalhava num salão quando tomou conhecimento da técnica de alisamento através de uma amiga, mandou comprar um frasco do produto e experimentou. Rendeu-se e, em três anos, o casal mudou de vida. "As clientes comentavam e donos de salão começaram a nos procurar", conta Marcelo. Dono de uma fórmula própria que fabrica nos Estados Unidos, ele calcula que no primeiro ano treinou mais de 4 000 cabeleireiros no procedimento. Um vidro de 300 dólares (540 reais) rende dez aplicações, a preços que variam de 200 a 600 dólares (360 a 1 100 reais). O jeitinho brasileiro, somado ao mercado americano, redundou num negócio de 4 milhões de dólares de vendas por ano, produzidos através de nove distribuidores que atuam em cerca de 20 000 salões em quarenta estados americanos, além das exportações para 28 países. "Um ótimo resultado para quem nem tinha salão próprio", diz Marcelo, ainda espantado com o sucesso.
A propaganda boca a boca foi eficiente, mas o mercado americano se abriu mesmo quando Nicole Richie, a magrinha e moderninha ex-melhor amiga de Paris Hilton, viu a luz. Em março passado, ela descreveu via blog como a escova progressiva tinha mudado sua vida. "Agora tenho a liberdade de não fazer escova toda vez que lavo o cabelo", derramou-se, impressionada com o efeito há muito conhecido das brasileiras. "Antes a gente tinha de explicar o que era. Agora, todas querem o cabelo da Nicole", diz o baiano Rogerio Andrade, 38 anos, do salão Maria Bonita, em Nova York. A progressiva é o forte do salão, onde Rogerio atende em média doze clientes por semana, que pagam 300 dólares por um Brazilian Blowout feito com fórmula importada de fornecedores variados no Brasil. "As americanas veem as nossas modelos e querem ter o cabelo delas", diz Rogerio, alisador oficial de beldades da passarela como Raquel Zimmermann e Michelle Alves.
Há seis anos, Márcio Soares saiu de Santo André para ser cabeleireiro em Londres e, por predestinação nacional, acabou virando ás da progressiva. Faz em média catorze por semana. Como tudo em Londres, o preço é salgado: equivale a 700 reais. Márcio acaba de ser contratado por um salão em Mayfair, área chique da cidade, onde terá uma baia exclusiva para as artes escovativas, devidamente equipada com exaustores. "O primeiro salão onde fazia a progressiva ficava dentro de uma academia, e a fumaça provocada pelo secador no cabelo empapado da fórmula sempre acionava o alarme de incêndio. Era um desespero. Mas agora todo mundo sabe como funciona", diz Márcio, que também importa do Brasil os frascos de uma fórmula que diz não conter formol. "Mas eu acho que tem, sim", reconhece. Nenhum segredo envolvido: no Brasil, a Agência de Vigilância Sanitária, Anvisa, proíbe concentração acima de 0,2% de formol na fórmula, mas todo mundo sabe de algum salão que turbina a progressiva. Nos Estados Unidos e na Europa, não existe esse tipo de controle, embora o risco de indenizações pesadas em processos por erros e danos estimule a cautela geral. No primeiro semestre de 2009, a cosmetovigilância da Anvisa recebeu cinquenta denúncias de mulheres que sofreram queda de cabelo, queimadura no couro cabeludo e irritação nos olhos por causa de alisamentos malfeitos. Mas, quando são benfeitos, quanta alegria. Por que não compartilhar com o resto do mundo?
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