Outono-inverno as echarpes valtam às ruas

Quando o outono chega e basta que o termômetro baixe de 20 graus no entardecer alaranjado, eis que eles reaparecem: os cachecóis, echarpes, lenços, foulards e xales enrolados no pescoço, de todas as cores, desenhos, tamanhos, tecidos e modos de usar.

Os adereços têm sido típicos da meia-estação nos últimos anos, mas a cada temporada vêm com mais força e variedade e, agora, misturados a roupas leves como sandálias, camisetas e até decotes. Tal como o clima mundial, a moda confunde inverno e verão e caminha para o instável.

O fotógrafo Eduardo Nicolau precisou de um total de apenas duas horas e meia na Avenida Paulista, em dois dias desta semana, para registrar os mais diversos exemplos da mistura. Encontrou echarpes de pashmina amarradas com folga sobre camiseta; foulards de algodão arranjados em triângulo por cima do colo; cachecóis de lã completando o casaco ou de crochê indo até a cintura; lenços de seda descendo lateralmente sobre regata; xales ou mantas jogados para trás quase com displicência. As lentes também trouxeram em comum o jogo de cores vivas com neutras e de superfícies lisas com estampadas.

Para a consultora Glória Kalil, a moda "capta tudo" e não seria diferente com as mudanças de clima geradas pelo aquecimento global. Ela conta que as grifes mundiais têm investido cada vez mais em coleções híbridas, que mesclam itens das duas principais estações, por uma exigência de globalização. "As grandes marcas vendem cada vez mais nos dois hemisférios, por isso têm interesse em promover essa mistura."

Como sempre, uma moda nasce da combinação de circunstâncias históricas, achados estilísticos e necessidades econômicas. Mais informadas sobre moda, as mulheres retratadas - anônimas que passam longe de "fashion victims" - mostraram que também sabem casar as informações com suas necessidades e características, como a cor da pele, as proporções do corpo e o comprimento dos cabelos.

Ao mesmo tempo, usam os acessórios de forma diferente da que se usava antes, escapando da simetria bem-comportada e da monocromia que eles costumavam sugerir. Sem medo de errar, encarnam traços que distinguem a moda deste início do século, como o contraste de padrões e o "high & low", a combinação de itens caros e baratos, luxuosos e populares.

"Não há mais tendências; há estilos", resume Glória Kalil, que conta que a volta da pashmina há cerca de dez anos - usada como echarpe ou xale, inclusive em dias de sol - foi um evento de consumo que ainda não se repetiu. A urbanidade atual pede por variações cada vez mais livres.

No caso, elas permitem que uma roupa sóbria de trabalho ganhe o movimento e o colorido de um tecido que balança com o vento e a caminhada - ou que uma roupa descontraída de passeio se cubra de um tom mais chique ou formal para uma reunião ou jantar noturno. Isso envolve também a adaptação aos ambientes, exigida pela atual onipresença de ar condicionado em empresas, restaurantes e shoppings.

Na véspera do inverno, enfim, cobrir o pescoço pode ser tão atraente quanto exibir as pernas no início do verão. Muito mais vem aí, porque as lojas ainda esperam as novas coleções, de olho no dia dos namorados. Mas o desfile já corriqueiro de echarpes mostra de novo que moda não se trata apenas de utilidade ou vaidade.

À velha pergunta sobre se as mulheres se vestem para os homens ou para si mesmas, a resposta talvez seja que elas se vestem para si mesmas e para os homens que vejam isso.

Ag Estado

Nenhum comentário: